
Há muitos anos, quando servia como presidente de estaca, uma irmã muito querida chegou, em prantos, ao meu escritório. Ela tinha servido uma missão, casado no templo e servia fielmente nos seus chamados. Incêndios florestais terríveis deflagraram na nossa área e muitas casas da nossa estaca foram destruídas, inclusive a dela. Para piorar as coisas, a sua casa era um estabelecimento licenciado para cuidar de idosos e representava a sua principal fonte de rendimentos. Todos foram evacuados com segurança, mas os bens e meios de subsistência da sua família tinham desaparecido. Ela lamuriou-se: “Por que é que isto aconteceu connosco? Nós cumprimos os nossos convénios!”.
Fiz uma oração silenciosa e coloquei uma folha de papel em branco na mesa, à sua frente. Depois, a meio do papel, coloquei um ponto do tamanho da cabeça de um alfinete e disse: “Este ponto representa a mortalidade. Suponhamos que o papel representa a eternidade e que se estende até ao infinito, em todas as direções. Lamento muito que isso tenha acontecido consigo, mas, por favor, não fique cega com o ponto”. Para dar algum crédito a esta querida irmã, o seu semblante mudou de imediato, e ela disse com um suspiro de alívio: “Ah! Agora percebi. Eu vou ficar bem. Obrigada!”.
Os incêndios florestais que devastaram a nossa área foram impulsionados por ventos de cerca de 130 km por hora. As chamas açoitaram indiscriminadamente os bairros, deixando para trás uma ou outra casa e queimando outras aleatoriamente. O Elder Dale G. Renlund observou: “Acreditar que a vida nos tratará com justiça porque somos justos é como acreditar que o touro não nos atacará se formos vegetarianos”. As escrituras relembram-nos que as condições injustas fazem parte da mortalidade: “[Deus manda] chuva sobre os justos e os injustos”.[1]
A realidade é que as vicissitudes da mortalidade, às vezes, são cruéis, mas, por causa do Salvador, as promessas da eternidade eclipsam até mesmo as mais tenebrosas provações terrenas. A perspetiva eterna muda tudo, uma vez que entendemos que: “todas essas coisas [nos] servirão de experiência, e serão para o [nosso] bem”.[2]
O Elder Neal A. Maxwell deu-nos esta perspetiva: “Como é que podemos esperar navegar inocentemente pela vida e dizermos ‘Senhor, dê-me a experiência, mas não o sofrimento, nem a tristeza, nem a dor, nem a traição, e, claro, nunca me abandone, Afaste de mim, Senhor, todas aquelas experiências que O tornaram no que É! E depois deixe-me vir habitar consigo e partilhar plenamente da Sua alegria!”.
Precisamos ter as nossas mentes firmemente centradas na nossa verdadeira identidade e no Seu Plano, a fim de não sermos cegados e não nos desviarmos pelas dificuldades inerentes do “ponto” mortal. Como disse o Elder John H. Groberg: “Há uma ligação entre o Céu e a Terra. Encontrar essa ligação dá sentido a tudo, inclusive à morte. Perder esta ligação torna tudo sem sentido, inclusive a vida”.
Ter uma perspetiva eterna ajuda-nos a reconhecer o que realmente é importante. Seria sensato considerar que só podemos levar três coisas connosco quando morrermos: os nossos relacionamentos, o nosso conhecimento e o nosso caráter. Seria uma falta de visão focarmo-nos no irrelevante em detrimento do relevante, mas isso é precisamente o que a maioria das pessoas do mundo faz. Job declarou: “Na prosperidade gastam os seus dias, e num momento descem à sepultura”.[3]
O apóstolo Paulo confirmou as promessas da eternidade. “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam”.[4] Seria insensato trocar essas bênçãos surpreendentes pela famosa “sopa de lentilhas”.[5] As coisas mais importantes nunca deveriam ficar à mercê das coisas menos importantes! À medida que os desafios da vida surgirem na nossa jornada, a minha oração é que possamos ver para além do ponto da mortalidade, tendo uma visão a longo prazo: reconhecendo a nossa identidade eterna, o propósito desta jornada mortal e a esperança do glorioso destino eterno que aguarda os fiéis.
[2] Doutrina e Convénios 122:7